Deputadas e pesquisadoras voltaram a criticar nesta terça-feira (17), na Câmara dos Deputados, projeto de lei da deputada Renata Abreu (Pode-SP) que flexibiliza a cota de candidaturas femininas nas eleições proporcionais.
O PL 4130/19 determina que, se os partidos não preencherem a cota de 30% de candidaturas femininas, contida na atual Lei Eleitoral (9504/97), deverão deixar a vaga vazia.
O texto aguarda análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e deve ser votado também pelo Plenário da Câmara.
Um dos projetos determina que, se os partidos não preencherem a cota de 30% de candidaturas femininas, deverão deixar a vaga vazia.
A avaliação das participantes de uma audiência promovida pelas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher; e de Legislação Participativa é que o projeto, se aprovado, levará a um retrocesso na política brasileira.
“Estamos aqui discutindo o fim das cotas”, considerou a ex-ministra do Superior Tribunal Eleitoral (TSE) Luciana Lóssio. “É um retrocesso inequívoco. O que se propõe é que se reservem as vagas; mas, se não forem preenchidas, não tem problema nenhum”, disse.
Segundo a promotora de Justiça de São Paulo Vera Lúcia Taberti, o Brasil não pode abrir mão de “um direito tão duramente conquistado”, com riscos de voltar ao panorama anterior à legislação.
“Isso é perigoso porque está sendo chancelado por mulheres, o que daria legitimidade ao projeto de lei, e vai de encontro aos interesses masculinos. Já existe uma resistência muito grande para as mulheres entrarem no ambiente político”, declarou Taberti.
Defesa Apesar de não ter participado da audiência, a deputada Renata Abreu defendeu o projeto, dizendo que ele não acaba com as cotas femininas de candidaturas. “O que ele faz é regulamentar. Hoje o que está sendo praticado? Se o partido não preenche os 30%, tira-se homem. Eu não conheço nenhuma cota afirmativa que você tenha que tirar de quem quer participar”, justificou.
Ainda segundo Renata Abreu, o projeto garante o mínimo de 30% de recursos para as candidaturas femininas, independentemente de a cota de 30% ser atingida. Os recursos, avaliou, foram o que de fato tornaram possível o crescimento do número de mulheres no Parlamento. Além disso, o voto recebido pela candidata mulher computa em dobro para cálculo de fundo partidário. “Hoje, se o projeto for pautado, ele passa na Câmara e no Senado Federal”, acredita a autora.
Na opinião de Vera Lúcia Taberti, no entanto, o projeto significa a perda da representatividade feminina. “A partir do momento que se esvazia a possibilidade de cotas, você pode lançar 70 homens e nenhuma mulher. Como se vai explicar que se apliquem 30% de verbas paras mulheres?”, questionou Taberti.
Ambiente hostil Outro argumento de Renata Abreu para apresentar o projeto é o de que hoje os partidos não conseguem os 30% de mulheres que queiram ser candidatas. “Nós não precisamos ser obrigadas a ser candidatas. Nós temos o nosso espaço garantido dos 30%. Se nós quisermos ser candidatas, nós teremos a nossa legenda, nós teremos o nosso espaço.”
A professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Lígia Fabris, criticou o discurso de que as mulheres não se interessam por política. Para ela, o que existe é um ambiente hostil às mulheres.
“Os partidos estão querendo responsabilizar as mulheres para não serem responsabilizados. Essa escassez é produzida, um produto muito bem arquitetado pelos partidos políticos, para que quem está no poder – neste ano, 85% de homens – se mantenham no poder e não haja espaço para mais mulheres”, declarou Lígia Fabris.
As parlamentares presentes no debate também defenderam as cotas. A coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Mulher, deputada Celina Leão (PP-DF), criticou o fato de o ataque à reserva ser feito por uma mulher.
“Eu posso não querer a cota, é um direito meu. Mas não posso privar uma conquista que é de milhares de mulheres. Nós temos mulheres na bancada que são arquimilionárias, que nunca vão precisar do financiamento público, mas temos mulheres que são trabalhadoras rurais”, observou.
Para a deputada Luiza Erundina (Psol-SP), o debate pode ser resumido em luta pelo poder. “Uma mulher a mais é um homem a menos. Não é uma luta fácil, é a luta pelo poder”, afirmou.
Ranking O Brasil ocupa hoje a 133ª posição no ranking da União Interparlamentar sobre a representação feminina no parlamento de 193 países. Países como Cuba e Bolívia já atingiram a paridade, e o México está quase lá com 48%. No Brasil, as deputadas somam 15% do total da Câmara dos Deputados (77 dos 513 deputados), sendo esta a maior bancada feminina da história da Casa.
Segundo a representante da ONU Mulheres na audiência, Ana Carolina Querino, esse número só vai mudar se os partidos facilitarem o funcionamento das instâncias de mulheres, cumprirem os incentivos financeiros, desenvolverem programas para a formação política das mulheres e reconhecerem a violência que elas sofrem nos processos eleitorais.
Propositoras O debate foi proposto pelas deputadas Sâmia Bomfim (Psol-SP), Fernanda Melchionna (Psol-RS), Áurea Carolina (Psol-MG) e Talíria Petrone (Psol-RJ). Melchionna considerou grave a discussão chegar a esse ponto e considerou que isso ocorre em razão de o governo ser “inimigo dos direitos das mulheres”.
A audiência contou ainda com a presença da coordenadora da Bancada Feminina na Câmara, deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO). Ela defendeu que as mulheres ocupem espaço de poder, como parte do processo de construção da igualdade.
O PL 4130/19 tramita em conjunto com outro apresentado anteriormente (PL 2996/19) que acaba com a obrigação de que cada partido ou coligação reserve os 30% de candidaturas femininas.
Texto e foto: Agência Câmara
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